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editoraphysalis
13 de ago. de 2017
In Crônicas
Pablo Morenno                                         O pai não é uma imagem racionalizada. Pai é teia de recordações das quais é o próprio fio. Freud diria que o pai habita o superego, cria limites, vigia a consciência; instala-se na cultura como Deus, as leis, o Estado. Para mim, pai é uma teia de recordações das quais é o próprio fio. Um bichinho-da-seda na memória começa a fazer camisas, calças, mantas, cobertas. Inventa casas, ruas, cidades. Transbordamos o pátio com rolos de fios. Quando nos damos conta fizemos boa parte do mundo.                                O pai não é um guarda noturno. O pai é um acendedor de velas. Ao sairmos à rua, acende uma vela e vela o seu fogo. Quando a cera se acaba, ou a querosene enxuga o pavio, ele providencia o sustento. O fogo vigiado pelo pai tem características mágicas. Aceso em casa, ilumina nossos passos onde estivermos. Ao regressarmos, neste tempo de luzes elétricas, eis lá as velas acesas dentro do pai. Quer dizer, acabamos por saber que ele mesmo é uma chama inapagável, inabalável.                                O pai não está atrasado no tempo. O pai, na verdade, foi morar num tempo não chegado ainda. Um dia lá atracaremos. O ser humano, ao tornar-se pai, toma uma máquina do tempo, parte para o futuro, lá ergue sua casa, esperando os filhos chegarem para pedir conselhos. Quando os filhos chegam no futuro, descobrem que seu pai já partiu para o outro lado do tempo. Então, será preciso arrepender-se . Se eles soubessem dessa constituição da vida, teriam pedido conselhos agora. Mas agora seu pai é obsoleto. Para os que aprendem a lição, as coisas se resolvem sendo eles mesmos pais no momento em que chegarem ao futuro. Tornam-se pais conselheiros para que aos filhos não escasseiem  os rumos. O problema é que, na paternidade, sem saber,  tomaram a máquina do tempo e já estão mais à frente. Tudo recomeça.                                 O pai não é alguém quase sempre errado. Pai sempre está errado. Seu primeiro erro é crer em nossa compreensão. Engana-se. O segundo erro do pai  é crer em sua argúcia e convencimento. Ilude-se. Todo pai pensa que seu filho é tão vivido quando ele, sabedor do sentido oculto das coisas.       Pai não é razão. Pai é fogo de velas. Pai é mistério do tempo. Pai é ânsia de explicar e convencer. Daí se deduz: Pai é uma epifania, aparição de ternura e fortaleza circundada por recordações das quais é próprio fio. O que a gente tem de fazer é ficar contemplando, sem perguntar se Freud tinha ou não razão, se Freud teve um pai ou era clone. Pablo Morenno, do livro "Flor de Guernica", Editora Besouro Box.
SEMÂNTICA DE PAI content media
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editoraphysalis
14 de jul. de 2017
In Contos
Enquanto a suave brisa balança as folhas das árvores da pequena rua onde mora, Rafael espia pela janela os amigos jogarem bola na tarde modorrenta. Amanhã será assim de novo. Sem amigos, sem gols, sem alegrias. Somente a espera rabugenta da doença pecadora que teima em lhe tirar a liberdade. Christian David, miniconto do livro "Filme Proibido e Outros Minicontos", em produção pela Physalis Editora.
Sem Gols                                                     content media
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editoraphysalis
04 de jun. de 2017
In Crônicas
Leio em Inês da minha alma, livro de Isabel Allende, a surpresa da protagonista ao contar um "congresso" anual de índios mapuche (é assim mesmo, sem plural), no início da conquista do Chile, para celebrar os seus antepassados. Os anciãos juntavam o povo e contavam suas histórias, que eram aprendidas pelos jovens. Ao retornarem às aldeias, pareciam mais felizes e dispostos. Na falta da escrita, a oralidade mantinha os mapuche unidos aos vínculos de povo e família. Contar histórias para as crianças é unanimidade entre pedagogos e psicólogos, embora se possa contar nos dedos quem o pratique. É muito mais cômodo comprar um DVD ou fazer assinatura de TV a cabo. Esse segredo simples, é um daqueles tantos outros: são óbvios, mas ninguém leva a sério. Contar histórias fica ao encargo da escola, isso quando essa não se resume ao cumprimento de programas conteudísticos, o que acontece na maioria das vezes. A coesão narrativa tem o dom de costurar os fragmentos da vida no mundo, dá unidade, constrói sentido, demonstra as crises dos desejos e os empecilhos aos sonhos. As boas histórias não precisam de enredos magníficos, ou peripécias incríveis. Basta um ser humano, ou algo que lhe seja metáfora, em busca da realização de um desejo. Este desejo pode ser a fuga de uma vida medíocre como em Madame Bovary, ou o desejo de trazer um peixe para a terra, como em O Velho e o Mar, ou, simplesmente, em destruir gigantes imaginários por amor, como em Dom Quixote. Essa característica da linguagem, pelo que se sabe até hoje, é apenas inerente ao ser humano. Embora se saiba que golfinhos se comuniquem, que pinguins resmunguem, que os elefantes soltem gritos alertando perigos, não se imagina qualquer desses animais relatando a história da família aos filhotes, ou fazendo-os dormir com contos de fadas ou bruxas. Há poucos dias, uma rede de televisão fez uma reportagem sobre uma experiência médica com prematuros. Um grupo deles foi submetido à contação de histórias por voluntários ou familiares, outro teve apenas o tratamento convencional. A experiência revelou uma significativa melhora naqueles bebês que ouviam histórias, um aumento da resistência às infecções, e uma estabilização dos batimentos cardíacos, entre outras melhoras. A voz humana, além do enredo - que seguramente os recém nascidos não entendem - transmite emoções. Segundo a médica, este vínculo afetivo com a voz é que produz os efeitos físicos. Sempre soubemos que as histórias, lidas ou ouvidas, eram remédios para as dores da alma. Agora sabemos de seu efeito terapêutico também para o corpo. Os mapuche, sem experiência científica nenhuma, já sabiam bem antes de nós. Pablo Morenno, escritor.
SOMOS FEITOS DE HISTÓRIAS                                    content media
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editoraphysalis
01 de jun. de 2017
In Artigos
Pablo Morenno Após minha experiência de adoção, tenho conversado com professores sobre a formação do vínculo e sobre o afeto na relação pedagógica. É um tema espinhoso. Mas precisamos conversar sobre ele. Como se fosse um mantra, tenho repetido no início das conversas e assim também encerro: não há educação sem vínculo, e não há vínculo sem afeto. Piaget foi um dos primeiros teóricos que questionou a separação entre conhecimento e afeto. Até então se pensava que aprender não tinha nada a ver com a relação “amorosa” que se estabelece entre o mestre e o discípulo. No livro “Abstração reflexionante- Relações lógico-elementares e ordem das relações espaciais” o pensador defende que toda ação e pensamento comportam um aspecto cognitivo, representado pelas estruturas mentais, e um aspecto afetivo, representado por uma energética, que é a afetividade. Ou seja, “a afetividade constitui aspecto indissociável da inteligência, pois ela impulsiona o sujeito a realizar as atividades propostas”. Segundo o autor, “os educandos alcançam um rendimento infinitamente melhor quando se apela para seus interesses e quando os conhecimentos propostos correspondem às suas necessidades”. Poucos professores se dão conta que a “motivação” para aprender não é algo inato. Mesmo o aluno inteligente, precisa dessa “energética”, que é a afetividade para fazer disparar suas capacidades cognitivas. Para se trabalhar o afeto, há que se superar o mito de que as emoções são estruturas acabadas. No livro já citado , Piaget trabalha a ideia de que as emoções são aprendidas e construídas socialmente. Todo professor com um pouco de experiência sabe que crianças com dificuldades de relacionamento na escola, agressivas, com autoestima baixa, - quase sempre rotuladas de difíceis complicadas, sem limites, e sem educação – são, na verdade, crianças com problemas de afeto, e isso pode (e deve) ser trabalhado pelos professores. Profissionais da educação que se preocupam apenas em passar o conteúdo são bons técnicos, mas péssimos professores. Professor, para merecer este nome, precisa olhar seu aluno buscando nele sua melhor possibilidade e catando mais emoção do que inteligência. Criar vínculo é estabelecer com o aluno um olhar do mundo em vai-e-vem, onde ambos crescem como seres humanos e se deslumbram com os encantamentos do conhecer. Só assim a educação acontece. Pablo indica: “A Casa Imaginária – Leitura e Literatura na primeira Infância”, de Yolanda Reyes. Baseada em sua oficina “Espantapájaros” em Bogotá, a autora, escritora e psicopedagoga mostra a importância da literatura e da contação de histórias na criação de significados da vida e do mundo e na elaboração das emoções e do afeto na primeira infância. Livro imprescindível na biblioteca de qualquer professor, especialmente do ensino fundamental.
AFETO E APRENDIZAGEM                                         content media
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editoraphysalis
31 de mai. de 2017
In Artigos
"A IMPORTÂNCIA DO TEXTO LITERÁRIO NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DO LEITOR " “A eficácia da escola pode ser medida no modo como conseguiu prover o aluno de competência linguística para o exercício consciente de sua cidadania”. Luzia de Maria, in Leitura & Colheita, Vozes. Acredito ser a formação do leitor uma das principais funções da escola. Acredito, também, que o texto literário é a porta de entrada para o mundo da leitura e fator imprescindível no processo de formação do leitor. Uma proposta de educação que se queira transformadora, inclusiva, democrática, emancipatória, só será possível se a escola tiver sucesso nessa que é a sua maior tarefa: formar leitores. Nesse processo os educadores podem contar com um instrumento da maior importância - a literatura infantil - a qual, por seu caráter lúdico-mágico, é o caminho natural, a chave mágica que abre a porta de entrada principal que dá acesso ao mundo da leitura e a tudo o que ela pode nos proporcionar. A literatura fala a linguagem que a criança entende. Assim como a criança, a literatura também é ludismo, jogo de sentidos, fantasia, beleza e emoção. Enquanto lúdica ela pode proporcionar prazer a partir da sonoridade, do ritmo, do jogo de imagens e de palavras. Por essa razão a literatura torna-se também uma gostosa e emocionante experiência. A brincadeira, o jogo, a fantasia, são formas utilizadas pela criança para explorar, conhecer e explicar o mundo. Com o auxílio da fantasia, da imaginação, ela penetra mundos desconhecidos e distantes em busca de respostas para suas inúmeras indagações. Por tudo isso, acreditamos que nenhum texto pode realizar melhor essa tarefa do que a literatura dirigida para as crianças, uma vez que nela esses aspectos são igualmente considerados essenciais.
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editoraphysalis
24 de mai. de 2017
In Crônicas
Muitas vezes fui pressionado com a explicar minha literatura com o analfabetismo de meus pais: “Como você se transformou em leitor, primeiro, e escritor, depois, com pais carentes das letras?” Meus pais eram analfabetos, mas eficientes contadores. Nos tempos sem energia elétrica, a família se reunia à noite ao redor do fogão à lenha, e meu pai desfiava histórias. A contação mesclava os contos de terror conhecidos como aqueles de assombração, mas também ouvíamos Negrinho do Pastoreio e Boitatá. Uma ou outra história do Pedro Malasartes se misturava às histórias mais ou menos reais da infância de meu pai. Quando fazia uma pausa, minha mãe tomava a palavra. E assim os olhos iam definhando para dar lugar ao sono. Não é impossível descobrir a leitura por conta própria, mas é muito mais rápido e eficiente quando viemos à luz numa cultura de histórias. Elas, escritas ou contadas, constroem um berço para a fragmentação da vida. Por isso as narrativas nos atraem. Nesse corpo de início, meio e fim, onde o conflito se destrincha, iludimos o cérebro de que nossa vida terá desenlace similar. De algum modo, somos convencidos da unidade semântica da vida. É um jeito inventado de se suportar a existência, e esse é seu principal mérito. Nas viagens pela pampa já encontrei muitos leitores contumazes. E quando relatam o motivo de seu gosto pelos livros, sempre aparece uma figura familiar. Esses meninos e meninas lembram do pai ou da mãe com livros na mão ou lhes contando histórias. Muitas vezes é uma avó ou um avô, um tio, uma tia, irmãos mais velhos ou vizinhos. Ou seja, leitura é herança. Assim como ensinamos os mais novos a andar eretos, a falar, a se alimentar, transmitimos a eles o ato humano de decifrar signos gráficos portadores de significâncias. Nossos descendentes recebem de nós histórias que recebemos de nossos ascendentes, mas também o ato de acordá-las para o mundo. Isso se chama cultura. Em geral a escola promove ações de leitura, mas esquece de motivar a família a participar. Além de motivar os alunos, é sempre bom dar tarefa aos pais ou a outro familiar que conviva com a criança, para que ele participe. Por exemplo, ler junto um livro ou um capítulo de um livro e conversar sobre ele, anotando as conclusões. Outra coisa é motivar a compra de livros, para mostrar aos pais que el é um objeto importante para se ter. Mesmo em escolas de periferia, ninguém é tão miserável que não possa adquirir um livro. Em geral os alunos gastam dinheiro com bonés de marca, celulares ou tênis. Então, será mesmo que não podem comprar um livro? Uma das melhores maneiras das pessoas aprenderem a ser humanos é com os personagens da ficção. Num mundo economicista, pais e avós se preocupam mais em preparar os filhos e netos para o sucesso financeiro e profissional. Esquecem que a vida exige muito mais do que manejo do dinheiro e da carreira. Quando leio em jornais que um jovem ou adolescente foi apreendido, tenho vontade de perguntar se alguma vez, seu pai ou sua mãe leu um livro para ele na infância. E fico imaginando a resposta. Pablo Morenno Pablo Indica: O livro “A Formação do Leitor Literário em Casa e na Escola” (Editora Biruta), de Caio Riter, é um livro obrigatório nas escolas e nas casas, onde se pretende formar leitores. Caio parte de sua experiência como professor e como escritor para indicar um caminho de leitura para pais e professores. Para professores, há um capítulo especial sobre roteiros de leitura. Preço sugerido pela editora: R$ 37,50.
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editoraphysalis
24 de mai. de 2017
In Artigos
Pablo Morenno Ismael se aventurou nos oceanos para caçar Moby Dick. Santiago enfrentou um mar imenso para fisgar um Merlin e mostrar para seu discípulo Manolin como era um mestre pescador. Nossos meninos e meninas se mutilam, e até chegam ao suicídio seguindo a Baleia Azul. Quais mudanças no mundo estariam afetando as aventuras de nossos novos heróis? O homem é animal costurado por desafios. Deixou caverna para caçar nas florestas, descobriu continentes desbravando oceanos. Coisas óbvias desse bicho inquieto. E é na juventude quando este desejo aflora com força maior. Graças aos jovens, o mundo se renova na busca do desconhecido ou um jeito inédito de fazer o já feito. Não deveriam os nossos jovens seguirem os instintos de nossos antepassados? A literatura, em sua construção simbólica, projetou o desejo humano pela superação de seus limites. Temos heróis adultos como Santiago e Ismael, ou crianças e jovens como Peter Pan, Alice, Doroti, Chapeuzinho Vermelho, João e Maria. Eles sobreviveram para contar suas histórias. É importante observar, que quando o aventureiro é uma criança ou jovem, sempre há adultos por perto com seus conselhos (mãe da chapeuzinho), ou intervindo na história num momento crítico (uma fada). Essa dimensão humana ensina: é dos adultos a tarefa de mostrar aos mais novos como pescar baleias e grandes peixes saindo vivos de qualquer aventura. Isso se faz com afeto, presença, ouvidos e corações abertos aos jovens. Se buscar aventuras é próprio de nossa natureza humana, se nossos filhos já não voltam íntegros de suas experiências, se não temos dúvidas de que cabe aos adultos acompanhar as crianças nessas descobertas, o erro não pode ser deles. Como qualquer homem ou mulher de qualquer tempo, apenas atendem ao chamado da Baleia ou de um grande peixe. Não é assim que consolidados nossa espécie como superior aos demais seres do mundo? Assim, também, seguirão fazendo os jovens pelos séculos dos séculos. Será que nossa velhice nos fez esquecer do papel de nossa responsabilidade: ser mestres, mediadores e exemplos? Pablo Morenno
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